quarta-feira, 7 de maio de 2008

Lira para a massa

O folheto que você aí vê testemunha o esforço do Lira Paulistana de querer ir além do teatrinho na Praça Benedito Calixto, no bairro paulistano de Pinheiros.

A tentativa era fazer chegar o biscoito fino à massa, como diria Oswald de Andrade (aliás, a frase textual do modernista estava escrita em um muro na vizinhança do teatro).

Graças ao patrocínio de uma fábrica de jeans e ao apoio da Secretaria da Cultura do Estado, o Lira realizou projeto musical itinerante que teve estréia em plena Avenida Paulista, no 429º aniversário da cidade de São Paulo.

Lá estavam os grupos Premê, Rumo, Língua de Trapo, Paranga, Pé Ante Pé, Grupo Um, Hermelino e Santos Football Music... e Tiago Araripe.

Na época eu havia formado possivelmente a banda mais completa entre as que já trabalhei, a primeira que ia além das tradicionais guitarras e incorporava também teclado, sax e flauta.

Contava então com o auxílio luxuoso do pianista e arranjador Ricardo Lobo na arquitetura musical, assim como duas mulheres que davam mais graça ao visual das apresentações: Renata na guitarra e Teresa no sax.

A estréia na Paulista não foi das mais alvissareiras. A avenida, bloqueada ao trânsito na altura do prédio da Caixa Econômica Federal, estava abarrotada de gente. Aos primeiros acordes de Coração cometa, parceria com Jorge Alfredo que abre o disco Cabelos de Sansão, desabou um pé-d´água daqueles. A debandada foi geral. E olha que estávamos apenas começando a parte que nos cabia no show.

Seguiram-se mais dois espetáculos, ambos no litoral e igualmente populosos. Havia cerca de dez atrações em cada um deles, não necessariamente as mesmas. A chuva, no entanto, foi igualmente impiedosa. Primeiro na Praia do Gonzaga, em Santos. Depois na Praia Grande, onde houve quase uma reprise do que ocorrera na Avenida Paulista.

Tão logo começamos a tocar, o aguaceiro caiu. E mais: o vento forte levou todas as partituras das estantes dos músicos. As pessoas começaram a correr. Eu, que não estava exatamente conformado com a situação, fui para o extremo do palco e comecei a pular que nem maluco.

Depois, não sei bem como, processou-se uma espécie de milagre. As pessoas se detiveram para presenciar aquela cena inesperada (eu continuava aos pulos, no alto do palco enorme). A chuva passou como por encanto. O som voltou a funcionar, e chamei os músicos novamente à cena. Mesmo sem partituras, deflagramos uma música mais movimentada do repertório. O público começou a dançar. Estávamos redimidos.

Se os curandeiros norte-americanos algum dia descobriram a dança para fazer chover, naquele dia na Praia Grande - diante de milhares de pessoas apinhadas na orla -, inventei sem querer um tipo de dança para parar a chuva...


Tiago Araripe

Nenhum comentário: